O Banco de Portugal vive um momento de viragem. A transição entre governadores é mais do que uma mudança de liderança: é uma oportunidade para repensar o papel da instituição num sistema financeiro em rápida mutação. Se não for aproveitada, corre-se o risco de perder relevância e eficácia.
A estabilidade de preços continuará a ser uma missão central para todos no sistema financeiro e bancário do país, mas não pode ser dissociada da visão integrada da economia. Por isso, a vigilância macroprudencial, ou seja, o conjunto de políticas e medidas destinadas a proteger a estabilidade de todo o sistema financeiro, deve assumir um papel de destaque. O sistema bancário não pode basear-se numa política de reação a crises. Assumir um papel proativo e preventivo, com cenários mais exigentes e maior atenção aos riscos – económicos, tecnológicos e geopolíticos – é uma forma de salvaguardar o próprio sistema.
Para além disso, ou melhor, a par da vigilância, é crucial continuar – ou até mesmo acelerar – a transformação digital. É essencial que as instituições que regem o setor acompanhem o mesmo; visto que a paisagem em Portugal está a ser redesenhada por fintechs e moedas digitais, há que adaptar. É necessário estabelecer regras claras e equilibradas que incentivem a inovação, e isso implica investir em competências internas, atrair talento especializado e criar canais permanentes de diálogo, tanto com o setor tecnológico como com a academia.
Por fim, considero fundamental começar a adotar-se uma linguagem mais clara, capaz de explicar ao cidadão comum as decisões que estão a ser tomadas, o seu porquê e quais as consequências. Se vivemos num dos países com menos literacia financeira da Europa, cabe às instituições responsáveis assumir o papel principal e impulsionar a mudança deste cenário. Numa era em que reina a desinformação, uma autoridade monetária opaca acaba a alimentar a especulação, a desconfiança e o desconhecimento – o que pode ser delicado para a legitimidade da própria.
Do Banco de Portugal espera-se, neste momento de mudança, independência, inovação e proximidade com a sociedade. Se não for assim, será apenas uma troca de rostos e não de rumo.
in Sapo